O governo anunciou há poucos dias a Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP, que em parte recupera a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE, de março de 2004. A proposta é bastante abrangente, profunda, e vai exigir grande capacidade de coordenação de ações, se quiser lograr sucesso. As medidas anunciadas trazem uma grande preocupação com o déficit em conta corrente do balanço de pagamento, cuja deterioração é visível, em função do encolhimento do saldo comercial. Para este ano, já existem estimativas para a conta corrente de um rombo de US$ 20 bilhões, ou 1,5% do PIB. A PDP é bastante focada na dimensão fiscal, com incentivos tributários, mas não mexe na política cambial e monetária, decisivas na competitividade industrial do país e na própria mudança na composição das exportações, cada vez mais baseadas em commodities e em bens de baixo valor agregado e baixa intensidade tecnológica.O risco, no que se refere às contas externas, não é ter um pequeno e financiável déficit em conta corrente, e sim a dinâmica que ele pode assumir nos próximos anos, arriscando crescer de forma exponencial, e sair de controle. Na mesma semana do anúncio da Política de Desenvolvimento Industrial, o governo anunciou também a proposta de criação de um Fundo Soberano, um mecanismo de apoio às empresas brasileiras que atuam no exterior. Uma parte dos recursos para encorpar este fundo viria de um aumento da meta de superávit fiscal, que passaria dos atuais 3,8% do PIB para 5%. A idéia é boa, mas a proposta de aumentar o superávit carece de um debate mais profundo, visto que um aperto nas contas do governo pode interromper a atual retomada do crescimento, fundamental para o país. Fundo Soberano e política industrial são idéias desenvolvimentistas, mas o que mais atravanca o desenvolvimento são as taxas de juros praticadas no Brasil, as maiores do planeta. Há portanto, um mix de política macroeconômica, cujos elementos se contradizem. O atual formato de ajuste da economia brasileira no momento está funcionando, mas é perigoso. Baseia-se cada vez mais na garantia de superávits comerciais com base em commodities, cujos preços estão bombando em função do crescimento mundial. O perigo reside na possibilidade de uma desaceleração mais forte na economia mundial (que não deve acontecer em 2008 e 2009). Com os juros e o dólar nos patamares atuais, não tem como agregar valor à nossa pauta de exportações. A elevação recente dos juros pelo Copom foi precipitada pois, além de agravar a apreciação cambial em função da atração de dólares especulativos, exerce também um efeito deletério sobre o custo de financiamento da dívida interna. Estima-se que somente por conta do aumento da Selic em 0,50 pp, em abril, o gasto com juros da dívida pública aumentou R$ 2,9 bilhões nos próximos 12 meses. Nenhum dos argumentos mencionados acima, tratando da política macroeconômica, retira a importância da PDP. Pelo contrário. A política proposta toca nas questões centrais: 1) necessidade de ampliar a produção nacional e as exportações; 2) importância de aumentar a taxa de investimentos da economia brasileira para, ou 21% PIB; 3) prevê a elevação do gasto privado em pesquisa e desenvolvimento (para 0,65% do PIB); 4) e busca a ampliação da participação do Brasil no comércio mundial de 1,15% de 2006, para 1,25%, o que equivaleria a vendas ao exterior de US$ 208,8 bilhões. Tudo isso é fundamental e possível, mesmo com os níveis atuais de juros e câmbio. Se a política industrial proposta atingir metade das metas propostas pela PDP, o país resolve boa parte dos seus principais problemas macroeconômicos. Mas, o desafio será fazer. Uma boa parte das medidas de política industrial anunciadas em 2004 não saiu do papel. A coordenação das medidas propostas, que é do Ministério do Desenvolvimento, é extremamente complexa, envolvendo vários organismos, ministérios, órgão público e entidades privadas. A realização das ações depende de uma sintonia fina, e de instrumentos necessários de execução, raros no Estado Brasileiro, assim como na própria iniciativa privada. Um aumento da competitividade da produção nacional, via política industrial, pode ajudar a substituir importações, além de ganhar mercados externos. Mas ela deve vir combinada com a recuperação da renda e da capacidade de consumo da maioria dos brasileiros. É muito importante substituir importações e melhorar a competitividade dos produtos nacionais lá fora, mas é ainda mais urgente manter e reforçar a retomada do mercado interno. José Álvaro de Lima Cardoso Economista e Supervisor Técnico do DIEESE em Santa Catarina