Dez anos e nove meses se passaram desde a privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) – rebatizada de “Vale” pelos atuais controladores -, vendida por R$ 3,3 bilhões. Apenas para uma comparação entre o valor da venda na época e a produção atual da empresa: o atual reajuste de 65% no preço mundial do minério de ferro, por exemplo, deve render R$ 10 bilhões para a balança comercial brasileira. Mais de três vezes o valor de todo o patrimônio posto a leilão. No dia 27 de fevereiro de 2008, abre-se uma nova página na história do questionamento da venda da segunda maior mineradora do mundo, quando os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vão julgar o destino de 25 ações populares que colocam a privatização em xeque. No momento, a correlação de forças no interior do Judiciário não é de todo desfavorável para os movimentos sociais que aponta irregularidades na privatização da empresa. Porém, em termos econômicos, a transnacional se afirma como um gigante mundial. Possui serviços de jazidas, ferrovias e portos em 27 países do mundo, nos cinco continentes. Em fase de expansão, a próxima aquisição possivelmente será a empresa anglo-suíça Xstrata, no valor de R$ 157 bilhões. Breve histórico das ações populares O processo de venda da Vale, consumado em 1997, foi questionado por 107 ações populares, encabeçadas por cerca de 300 autores. Por decisão do Superior Tribunal de Justiça, todas as ações foram centralizadas na Justiça Federal, em Belém do Pará, de acordo com princípio jurídico, para não haver decisões conflitantes. No entanto, a Justiça de Belém decidiu pelo arquivamento das ações populares. Em outubro de 2005, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1) de Brasília tomou decisão ousada e reconheceu que as ações populares deveriam ter o seu mérito julgado. Não poderiam ficar arquivadas. Os advogados da Vale pouco depois entraram com um pedido de reclamação (pedido 2259), apontando julgamentos conflitantes entre a decisão da justiça do Pará e a decisão do TRF-1 de Brasília. Na expectativa da direção da empresa, a decisão deve ser a mesma para todas as ações. Como sete ações populares foram abandonadas por seus autores e julgadas improcedentes, a companhia então entende que o Judiciário deve estender esta decisão e inviabilizar todas as outras ações restantes. Porém, cada ação popular, por Lei, deve ser analisada na sua particularidade, explica o jurista e autor de ação popular, Eloá Cruz. Ademais, o princípio jurídico da “conexão”, presente no atual processo, permite a avaliação de cada caso. Caso a Justiça não reconheça a reclamação da Vale, entra em jogo a necessidade de redefinir o valor real do patrimônio da Vale e verificar se o leilão foi justo. Isto porque as ações populares retornariam a Belém do Pará, não para serem arquivadas, mas para a realização de uma perícia e real avaliação de patrimônio. O fato Bradesco No próximo julgamento, previsto para o dia 27, de acordo com Cruz, será apresentado um fato novo ao tribunal: em 1997, representante do banco Bradesco enviou uma petição à Justiça de Belém, apresentando uma sentença emitida por Mark Ishida Brandão, da 15ª Vara Federal de Belo Horizonte (MG), na qual recomenda a decisão uniforme para todos os processos, além de partir do princípio de que a venda da companhia é irreversível. A competência, no entanto, deveria ser da justiça no Pará, o que, segundo Cruz, indica pressão por parte do grupo Bradesco – avaliador, comprador e atual controlador indireto da Vale. Para Cruz, o juiz de Minas Gerais não tem competência para avaliar a questão, de ordem da Justiça no Pará. Por sua vez, Judiciário não deveria arquivar as ações populares tendo como base a sentença de Minas Gerais. Pressão do povo No julgamento do dia 27 de fevereiro, a presença de representantes dos movimentos populares é fundamental, na avaliação da advogada trabalhista Clair da Flora Martins. A advogada pretende organizar uma reunião para o dia anterior ao julgamento, em Brasília. Autora de ação popular (não incluída no atual julgamento), Clair vem acompanhando as votações no STJ. Quatro ministros votaram a favor da reclamação da Vale (entre eles, o relator, ministro Luis Fux). Três ministros reconheceram as ações populares. O próximo a votar, ministro Hermann Benjamin. Clair considera a presença dos movimentos populares fundamental no julgamento como forma de contraposição, pois os advogados da Vale hoje recebem, sozinhos, as lentes da mídia. A advogada ainda não sabe qual regimento interno será usado para o possível desempate da votação. Ainda de acordo com Cruz, um mesmo ministro pode rever o seu voto. Marcos Arruda, economista, integrante da Assembléia Popular, reforça a importância da presença de representantes das organizações sociais. A Assembléia foi uma das organizadoras do Plebiscito Popular – que movimentou 3 milhões e 700 mil votos em 2007 pela nulidade do leilão da Vale – e um de seus focos temáticos em 2008 é a questão da energia, no qual o assunto é um tópico importante. “O tema da Vale está continuando. Encerrou-se o plebiscito popular, porém a luta continua. Não podemos deixar este assunto morrer”, afirma. Lucros para as localidades Em uma de suas ações, na qual são réus o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), a União Federal (embora Lula despreze o assunto) e a própria Vale, Cruz discute que o Decreto Lei da companhia recomendava – desde a sua fundação, em 1942 (Lei 4352) – o depósito de 85% dos lucros da mineradora para os estados onde a companhia desenvolve mineração. Apenas 15% seriam destinados aos acionistas. Com a privatização, Cruz informa que o decreto de fundação simplesmente foi ignorado. “Não houve revogação das leis”, avisa. Se antes a companhia reinvestia em infra-estrutura, hoje é a principal distribuidora mundial de lucros na forma de dividendos. A lentidão no julgamento do STJ, para Cruz, é “um fenômeno que favorece a Vale, o processo se arrasta e enquanto isso os dividendos da companhia são distribuídos”, comenta. Atualmente a direção da companhia se vê em disputa com o Departamento Nacional de Proteção Mineral (DNMP) (veja matéria Vale e DNPM no Brasil de Fato), e com prefeituras de municípios mineradores, devido ao passivo contraído com os municípios de Minas Gerais e Pará. No caso de MG, o passivo da mineradora alcança os R$ 1,8 bilhão, quantia referente à exploração realizada durante 15 anos, paga na forma de royalties. Os royalties pela extração de minério de ferro são calculados de forma diferentes, por governo e iniciativa privada. Daí a razão do enfrentamento. Ministros que acataram o pedido de reclamação da empresa: Luiz Fux, José Delgado, João Otávio de Noronha e Humberto Martins. Ministra(o)s que votaram pelo prosseguimento das ações populares: Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e Castro Meira Pedro Carrano,de Curitiba (PR) FONTE:http://www.brasildefato.com.br