São as suas idéias revolucionárias e o que elas representam para milhões de explorados que ameaçam a ordem imperial do capital Fidel não é mais presidente do Conselho de Estado e nem Comandante-em-Chefe das Forças Armadas cubanas. Houve festa na Casa Grande e na Casa Branca. A revolução e o socialismo cubano não têm futuro sem Fidel, afirmam eles. Em breve, a euforia se transformará novamente em decepção e esta em redobrado ódio à pequena ilha e seu valoroso povo. Novos planos macabros serão engendrados e novas – e decisivas – batalhas serão travadas. Mas, dessa vez, as armas estarão nas mãos de novas gerações de combatentes. Nas suas bocas ecoarão o mesmo refrão: Pátria Livre, Venceremos! Agora e para sempre. Voltemos um pouco no tempo. Quando se espalhou pela América Latina a notícia de que um grupo de jovens guerrilheiros barbudos havia derrubado a odiada ditadura de Fulgêncio Batista, o fato pareceu um raio em céu sereno. A grande parte da esquerda acreditava ser impossível que uma revolução popular e antiimperialista pudesse ser vitoriosa num pequeno país tão próximo da grande potência estadunidense. A surpresa inicial se transformou num facho de esperança a iluminar o caminho. Se uma pequena ilha pode se emancipar, por que não os demais países do continente? Pegos de surpresa, os Estados Unidos prepararam maquiavelicamente a sua contra-ofensiva. Era preciso esmagar a revolução para que ela não servisse de exemplo aos outros povos. Para isso se utilizaram de refugiados cubanos, apoiados e financiados por uma aliança espúria entre a máfia e a CIA. A tentativa de desembarque e a fragorosa derrota militar do exército de mercenários na Bahia dos Porcos elevou aos píncaros os nomes dos revolucionários cubanos. Cuba se tornou, definitivamente, “o território livre das Américas” Ainda naqueles primeiros anos o poder popular teria que enfrentar um acontecimento de graves proporções: a crise dos mísseis. Fidel manteve uma posição serena e firme. Não havia partido dele a idéia de colocar em Cuba mísseis nucleares. Mas uma vez feito se fazia necessário resistir à pressão estadunidense. Os soviéticos, os autores da idéia mirabolante, recuaram e colocaram o governo cubano numa situação bastante delicada. Se o acordo entre as potências impediu um novo ataque militar direto a Cuba, não impediu que um embargo econômico assassino lhe fosse imposto. As suas relações comerciais e políticas se viam cada vez mais reduzidas ao bloco socialista e alguns poucos países não-alinhados do chamado terceiro mundo. Mesmo sob cerco, Cuba não faltou com a solidariedade aos outros povos da América Latina, África e Ásia. Ela foi asilo de numerosos perseguidos políticos. Centenas de brasileiros tiveram uma acolhida calorosa nos anos sombrios da ditadura militar. Uma das páginas mais belas da história da revolução cubana foi o apoio dado ao povo de Angola quando ele estava ameaçado por um exército de contra-revolucionários, apoiado e armado pela África do Sul. Fidel pessoalmente ajudou organizar a resistência angolana. A vitória ajudou precipitar o fim do apartheid na África. No período que naufragaram as experiências socialistas na URSS e no Leste Europeu, Cuba viu-se completamente isolada. Aproveitando-se de sua momentânea dificuldade, os Estados Unidos apertaram o cerco econômico, político e ideológico sobre a ilha. Foram anos extremamente difíceis. Uma sociedade de relativa abundância, de uma hora para outra, virava uma sociedade de completa escassez. Nas prateleiras das lojas faltava quase tudo. O racionamento se tornou ainda mais rigoroso. Enquanto o povo cubano sofria com o embargo criminoso, faziam-se festas em Miami. Ali todos diziam que os dias de Fidel e da revolução estavam contatos. Mesmo entre setores da esquerda era esse o sentimento que predominava: tratava-se apenas de uma questão de tempo. Alguns, poucos, até se rejubilavam com esta idéia. Lembro que um deputado petista chegou a escrever um artigo intitulado “Agora na hora de nossa morte”. Grupos de extrema esquerda vaticinavam eufóricos a aproximação de uma revolução política anti-burocrática que derrubasse Fidel do poder, a exemplo do que havia ocorrido na Polônia. Espantosamente, para surpresa da direita e da extrema esquerda, nada disso ocorreu. Como por um milagre, contra a maré, o governo socialista de Cuba sobreviveu e se fortaleceu. O milagre, no entanto, tinha nome: chamava-se “povo cubano”. Foi o alto grau de convicção patriótica e socialista desse povo, forjado ao longo de décadas de luta antiimperialista, que salvou a revolução dos perigos que a cercavam e deu a ela uma nova chance. Poucos povos passaram por aquela provação – convivendo com a escassez de produtos básicos e submetidos a uma intensa propaganda ideológica anti-socialista – e, mesmo assim, mantiveram a confiança no regime. Nenhum aparato repressivo – por mais potente que fosse – conseguiria impedir a explosão do descontentamento popular. Isso, definitivamente, mostrava que algo em Cuba era diferente. Note-se que, apesar das concessões que foi obrigado a fazer naquele momento difícil, o governo cubano procurou manter a soberania do país e a qualidade dos serviços públicos prestados à sua população, especialmente na área da saúde e educação. Ele rejeitou categoricamente o receituário neoliberal que pregava o desmonte do Estado. Na maioria dos países da América Latina o modelo econômico-social imposto pelas oligarquias financeiras ocasionou desindustrialização, desnacionalização, aumento do desemprego e da miséria. Quando esse projeto naufragou os povos muitos perceberam que Fidel estava certo. As recentes vitórias de candidatos de esquerda em vários países da América Latina ajudaram a tirar Cuba do isolamento imposto pelos Estados Unidos. Para desespero de Tio Sam, o prestígio da ilha resistente voltou a crescer entre governos e povos de nosso continente. Em 2006, uma grave doença afastou Fidel das funções de dirigente de Estado. Muitos chegaram a anunciar sua morte e o fim do regime socialista. Mais uma vez ele resolveu pregar uma peça nos seus inimigos: sobreviveu. Agora, vencida a fase mais difícil de sua vida e de seu país, Fidel anuncia que não aceitará mais os cargos de presidente do Conselho de Estado e de Comandante-em-Chefe das Forças Armadas. Na Little Havana se repetem as mesmas cenas patéticas, inúmeros anti-castristas fazem festa. “É o fim do regime”, alucinados gritam pelas ruas. Como sempre essa alegria será efêmera. Fidel deixa em caráter irrevogável suas antigas funções de chefe de Estado, mas não a de guia espiritual de seu povo. Escreveu ele: “Não me despeço de vocês. Desejo apenas lutar como um soldado das idéias. Continuarei a escrever (…) Será mais uma arma do arsenal com o qual se poderá contar”. Assim, continuará combatendo através de suas ideais e de seus escritos. Afinal, essas foram e são as suas principais armas. São as suas idéias revolucionárias e o que elas representam para milhões de explorados que, de fato, ameaçam a ordem imperial do capital. Acredito que as novas gerações de dirigentes cubanos, com a ajuda do veterano combatente, estarão à altura de continuar levando o país pelos caminhos da construção do socialismo. Mas sem ilusão. Fidel numa de suas últimas cartas escreveu: “O caminho sempre será difícil e exigirá o esforço inteligente de todos. Desconfio dos caminhos aparentemente fáceis da apologética”. Para os comunistas brasileiros Fidel não é um modelo e sim o exemplo. Exemplo de firmeza e de dignidade. Agora não mais como o Comandante-em-Chefe, mas um soldado da luta de idéias. E como ainda precisamos desse soldado. Por isso dizemos: Fidel sempre! Augusto Buonicore é historiador e membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PcdoB).